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CARTILHA COVID 19 SOLUÇÕES JURÍDICAS PARA MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL EM TEMPOS DE CRISE

1) INTRODUÇÃO

 

Diante da paralisação de diversos setores empresariais, ocasionada pela adoção de medidas sanitárias necessárias para o enfrentamento da pandemia da COVID-19, emergiu um cenário de crise econômico-social com proporções globais.

 

A crise se agravou, principalmente, pela queda significativa do consumo, propiciando a redução de receitas dos agentes econômicos. Isto pode gerar um efeito dominó de inadimplementos e inviabilização do exercício da atividade empresarial.

 

O Direito de Empresa cuida, por meio da Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, da crise econômico-financeira do sujeito que exerce atividade empresarial.

 

Pretende-se tratar aqui tanto dos instrumentos colocados à disposição de tais sujeitos para a continuidade das suas respectivas atividades, quanto das medidas emergenciais que vem sendo adotadas pelos Poderes Legislativo e Judiciário para reduzir os impactos da crise.

 

Para superação da crise econômico-financeira, o Direito de Empresa possibilita ao empresário que se utilize dos seguintes institutos: recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência. O último instituto não será aqui tratado, pois é meio de encerramento regular das atividades empresariais. O foco é a superação da crise com a continuidade da empresa.

 

1) RECUPERAÇÃO JUDICIAL

 

A. O QUE É A RECUPERAÇÃO JUDICIAL?

 

É o instituto disponibilizado ao empresário, à sociedade empresária e à empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) para superar o estado de crise econômico-financeira e, com isso, manter a fonte produtora, o emprego dos trabalhadores e o interesse dos credores.

 

B. QUEM PODERÁ PEDIR A RECUPERAÇÃO JUDICIAL?

 

A recuperação judicial poderá ser requerida pelo empresário, que, no momento do pedido, exerça regularmente as suas atividades por mais de 2 (dois) anos, ou seja, que esteja devidamente registrado na Junta Comercial, e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

  1. – Não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

  2. – Não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

  3. – Não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por crime falimentar;

A recuperação judicial destina-se aos agentes econômicos que exerçam a empresa – atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. De modo que estão excluídas as sociedades simples (sociedades de médicos, escritórios de advocacia etc.), associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos.

 

Em que pese o entendimento consolidado acerca dos sujeitos que se submetem à recuperação judicial, recentemente, durante o período da pandemia, foram identificadas decisões possibilitando o pedido de recuperação para sujeitos não empresários.

C. QUAIS OS CUSTOS?

 

A recuperação judicial envolve diversos custos para o empresário, entre os quais, destacam-se os seguintes: custas judiciais, publicações de editais e remuneração do administrador.

Custas judiciais: são tabeladas pelos respectivos tribunais e recolhidas no início da demanda. Há diversas decisões judiciais que possibilitam o recolhimento ao final, desde que comprovado que o recolhimento antecipado poderia comprometer a recuperação judicial.

 

Publicações de editais: servem para dar publicidade à demanda. São realizadas em órgãos oficiais e jornais de grande circulação, sendo quantificadas de acordo com a sua extensão. Das publicações, a que contêm a relação de credores é, sem sombra de dúvidas, a mais onerosa, de modo que, com o objetivo de reduzir custos, têm-se admitido a publicação de editais indicando um sítio eletrônico no qual estarão hospedadas as listagens de credores.

Remuneração do administrador judicial: é arbitrada de acordo com a capacidade de pagamento do empresário, o grau de complexidade do trabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. O valor a ser pago não excederá a 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial. Da remuneração, 60% (sessenta por cento) será paga no curso da demanda e 40% (quarenta por cento) após a prestação de suas contas.

 

D.QUAIS OS EFEITOS DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO?

 

O deferimento do processamento da recuperação implica a suspensão do curso da prescrição e das ações executivas, com exceção das execuções fiscais, por 180 (cento e oitenta) dias. No prazo de 60 (sessenta) dias do deferimento deverá o empresário apresentar em juízo o plano de recuperação.

 

É importante salientar que o deferimento do pedido de recuperação não acarreta o afastamento do empresário de suas atividades. Ele continua a exercê-las, objetivando a superação do estado de crise e o cumprimento das obrigações contidas no plano, a seguir detalhadas.

 

E. QUAIS DÉBITOS PODERÃO SER INCLUÍDOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL?

 

Todos os débitos existentes na data do pedido, vencidos ou a vencer, devem ser incluídos na recuperação judicial, com exceção daqueles advindos de alienação fiduciária, arrendamento mercantil, alguns casos de promessa de compra e venda, compra e venda com reserva de domínio e contrato cambial para exportação.

 

Ainda, não se sujeitam ao plano de recuperação os créditos tributários. Em relação a eles é preciso averiguar a existência de legislação no âmbito federal, estadual e municipal.

 

A título de exemplificação, no âmbito federal, a Lei n.º 10.522/02 prevê a possibilidade de parcelamento em 84 vezes mensais e consecutivas, sendo os valores das prestações escalonados em percentuais que aumentam ano a ano.

 

F. COMO FUNCIONA UMA RECUPERAÇÃO?

 

É possível reduzir o procedimento da recuperação judicial em quatro fases:

  • Requerimento da recuperação: o empresário apresenta a petição inicial, expondo as razões da crise e informando a situação patrimonial; junta toda a documentação contábil, comercial, societária e judicial destinando-a ao juízo da Comarca onde esteja localizado o seu principal estabelecimento.

  • Deferimento do processamento do pedido: estando a documentação em conformidade com a lei, o juiz autorizará o processamento da recuperação judicial, determinando uma série de medidas, como nomeação do administrador judicial – que fiscalizará a demanda – suspenderá o curso das ações e execuções contra o empresário pelo prazo de 180 dias, dispensará a apresentação de Certidão Negativa de Débitos Fiscais, determinará a publicação de edital contendo a relação de credores, e abrirá o prazo de 60 dias para que o plano de recuperação seja apresentado.

 
  • Realização da assembleia Geral de Credores: após a apresentação do plano, os credores serão convocados para deliberarem sobre o plano em assembleia, podendo aprová-lo, rejeitá-lo ou modificá-lo. Em sendo aprovada, a proposta será levada ao juiz para homologação. Se rejeitada, em regra, a falência será decretada. Excepcionalmente, o juiz poderá conceder a recuperação judicial mesmo sem a aprovação da assembleia, desde que tenham ocorrido, de forma cumulativa: o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos; a aprovação de duas das três classes de credores, ou, no caso da existência de apenas duas classes, a concordância de pelo menos uma delas; e o voto favorável, na classe que tenha rejeitado o plano, de mais de um terço dos credores.

A assembleia geral é composta por 4 classes de credores, não que necessariamente em cada recuperação judicial existam todas, pois podem ter também três, duas, ou existir somente uma. São as seguintes: I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; II – titulares de créditos com garantia real; III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados; IV – titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte.

 
  • Finalização da recuperação judicial: cumpridas as obrigações que se vencerem nos 2 anos seguintes à homologação, o juiz encerrará a recuperação judicial, mesmo que o plano de recuperação aprovado pelos credores contemple um prazo maior para o pagamento do passivo.

G. O QUE DEVE CONTER NO PLANO DE REESTRUTURAÇÃO?

 

Acima de tudo, o plano de recuperação deve evidenciar que o empresário possui condições para continuar exercendo a sua atividade. Assim, ele deve apresentar de maneira detalhada as medidas que serão tomadas na recuperação, como concessões de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas e vincendas, substituição total ou parcial dos administradores do empresário, redução salarial, compensação de horários e redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva, venda parcial de bens, entre outros.

 

Ainda, para que tenha êxito, o plano de recuperação não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos trabalhistas. Nem poderá prever prazo superior a 30 (trinta) dias para pagamento, até o limite de 5 salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 meses anteriores.

 

H. É IMEDIATA A APLICAÇÃO DO PLANO DE REESTRUTURAÇÃO?

 

Não, os credores ao tomarem conhecimento do plano poderão apresentar objeção a ele. Sendo objetado por qualquer credor, será convocada uma assembleia geral de credores para deliberar sobre a aprovação, modificação ou rejeição do plano. Se aprovado, com ou sem modificação, o juiz concederá a recuperação judicial, na sequência, homologará o plano e suas regras passarão a valer entre empresário e credores.

 

Não há previsão de assembleia em caso de ME e EPP. Porém, se mais da metade dos credores apresentarem objeção, o pedido de recuperação será julgado improcedente e será decretada a falência.

 

I. QUAL O TEMPO DE DURAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL?

 

É de 2 anos, contado da homologação do plano. Isto não significa que as obrigações constantes do plano devam ser cumpridas tão somente nesse período. As obrigações podem ser cumpridas posteriormente ao prazo de dois anos. Só que se o empresário vier a descumprir qualquer obrigação constante do plano no período durante esse prazo, haverá decretação da falência.

 

J. EXISTEM CONDIÇÕES DIFERENCIADAS PARA AS MICROEMPRESAS (ME) E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE (EPP) EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL?

 

Entende-se por microempresa (ME) o agente econômico que aufira, em cada ano calendário, receita bruta anual igual ou inferior a R$ 360.000,00; já por empresa de pequeno porte (EPP) o agente econômico que aufira, em cada ano calendário, receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00.

 

Para ME e EPP, a lei prevê apresentação de plano de recuperação mais simples, com possibilidade de propor: a) parcelamento da dívida em até 36 parcelas mensais, atualizadas pela taxa Selic; b) pagamento da 1ª parcela em até 180 dias contados da data do pedido de recuperação judicial; c) necessidade de autorização judicial para aumentar despesas ou contratar empregados.

 

Ainda, os prazos de parcelamento de débitos fiscais e com o INSS podem ser até 20% superiores se comparados àqueles oferecidos às demais empresas.

K. COMO O CREDOR PARTICIPA DA RECUPERAÇÃO?

No momento em que o juiz defere o pedido de processamento da recuperação judicial, ele determina a publicação de um edital contendo a relação dos credores, a classificação (trabalhista, com garantia real, quirografário ou microempresa/empresa de pequeno porte) e o valor do crédito.

 

Os credores que porventura não estiverem na lista devem apresentar ao administrador judicial a sua habilitação. Já os credores que discordarem da classificação ou do valor devem apresentar divergência.

 

A principal atuação dos credores habilitados se dá quando o plano de reestruturação é apresentado ao juiz. Nessa ocasião, os credores, reunidos em assembleia – preferencialmente acompanhados de advogados, deliberam acerca do plano, podendo aprová-lo, rejeitá-lo ou modificá-lo.

 

A participação dos credores é de fundamental importância para que a atividade empresária continue. Por isso, o empresário deve evidenciar a situação pela qual passa e redigir um plano possível de ser implementado.

 

>> RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

A. QUAIS AS PECULIARIDADES DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL?

A recuperação extrajudicial é uma renegociação de parte das dívidas empresariais. Por esse instrumento, o empresário poderá negociar diretamente com alguns de seus credores e elaborará um acordo que poderá ou não ser homologado pelo juiz.

 

Não poderão ser incluídos no acordo os titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente do trabalho, com garantia fiduciária, de arrendamento mercantil. Celebrado o acordo, o cumprimento se tornará obrigatório para todas as partes.

B. QUAIS AS VANTAGENS E DESVANTAGENS?

 

De um lado, a recuperação extrajudicial tende a ser mais rápida e menos onerosa do que a judicial. Por outro lado, se os credores não quiserem negociar e aderir ao plano, ele se torna inviável.

 

>> ORIENTAÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

O Conselho Nacional de Justiça, no dia 31 de março, editou a Recomendação n.º 63, orientando os juízos com competência para julgamento de recuperação e falências a adotarem medidas de combate à contaminação pelo novo coronavírus. Entre as medidas, destacam-se:

A. suspensão da realização das assembleias gerais de credores presenciais;

 

B. prorrogação do prazo de suspensão da prescrição e de todas as ações e execuções em face do empresário;

C. autorização para os empresários com plano de recuperação em curso apresentarem plano modificativo;

D. relativização da decretação da falência em caso de descumprimento do plano.

 

>> PROJETO DE LEI EM ANÁLISE

 

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 1.397/2020, de autoria do deputado Hugo Leal. O projeto, que tramita em regime de urgência, prevê basicamente a criação de instrumentos aplicáveis a qualquer agente econômico, independentemente da atividade exercida por eles

  • Sistema de prevenção de insolvência: prevê a suspensão de ações executivas que envolvam obrigações vencidas após o dia 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato, pelo prazo de 60 dias, contados da vigência da lei. Ainda, durante o período de suspensão não poderão ser realizadas excussões judiciais ou extrajudiciais das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações; decretadas falências; despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato; a resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado; cobrança de multas de qualquer natureza, desde que incidentes durante os períodos determinados pelo projeto.

 
  • Negociação preventiva: após o prazo de suspensão legal, os agentes econômicos, que comprovem redução de 30% de seu faturamento, poderão instaurar procedimento de jurisdição voluntária denominado negociação preventiva, nomeando ou requerendo a nomeação pelo juízo de negociador. A presença dos credores na negociação é facultativa e não irão ultrapassar o período de 60 dias. Após a negociação, será encaminhado relatório ao juízo que determinará o arquivamento do feito.

 

Além desses instrumentos, o projeto de Lei prevê também alterações, durante o período que perdurar a pandemia, na Lei de Recuperação e Falências. Entre as mudanças, destacam-se:

 

A. inexigibilidade das obrigações contidas nos planos de recuperação judicial e extrajudicial homologados pelo prazo de 120 dias;

 

B. recuperação especial para ME e EPP: parcelamento em até 60 parcelas mensais, sendo o pagamento da primeira parcela no prazo máximo de 360 dias, contados da distribuição do pedido;

 

C. autoriza a apresentação de novo plano por aquele empresário que já estiver com plano de recuperação judicial ou extrajudicial homologado em juízo, podendo sujeitar créditos posteriores ao anterior pedido de recuperação judicial ou extrajudicial já homologado.

 
 

SOLUÇÕES JURÍDICAS PARA MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

EM TEMPOS DE CRISE.